Sexta-feira, 17 de Fevereiro de 2012
Verão maior que a vida
 

Foi um verão. Em que dormiste ao meu lado. Todos os dias,
todas as noites. Os dias eram só um prolongamento da noite, enrolados nos
lençóis, enrolados na banheira, comendo chocolate derretido, sentados na
bancada da cozinha. Achei que fosses ficar uma vida inteira. Mas foste como
vieste. No Outono, já aqui não estavas.

 

Deixaste-me lembranças, como fotografias antigas, a preto e
branco, que não imaginamos que já foram animadas, que já tiveram vida. Às vezes
nem sei se realmente exististe ou se foi tudo imaginação minha, se te criei à
imagem do meu sonho. Devias ter-me deixado um filho para eu ter a certeza, para
eu ver os teus olhos nele, o teu sorriso. Mas só me deixaste um sabor amargo na
boca, sabor a morte. Morte do sonho.

 

Gostava que o tempo voltasse atrás, gostava de voltar a ter
sonhos, a pensar, a querer o futuro. Deixaste-me sabor a morte na boca. A morte
da esperança, do sonho. Já não sou aquela menina que acreditava no destino, que
acreditava que a vida lhe traria só coisas boas, que a vida seria boa, e que eu
seria tudo o que desejasse ser. Eu fui tudo, durante meses. E depois
devolveste-me, quebrada, já saciada e com pouca esperança no futuro. O que
esperar se já vivi o que queria viver?

 

Momentos que nunca esquecerei:

- Na primeira noite do primeiro beijo, quando uma clareira
se abriu, e eu te vi, a sorrir para mim. Grande, feliz, um mundo inteiro dentro
de ti

- Nas montanhas, com o mar à porta, quando aquela música
começou. Calámo-nos os dois e só olhámos um para o outro

- Os bilhetes que me deixavas, todos eles. Todos eles.

- Eu a andar a pé pela rua, rápido, rápido, o vento na minha
cara, o frio nos ossos. A sorrir sozinha, a pensar em ti

- Todas as paragens que eu fazia a caminho de casa, para me
pintar, para ti

- O primeiro abraço da semana, quando um enorme peso saía do
meu corpo e eu me sentia completa de novo

- Na cidade em manifestação, quando me abraçaste e eu me
senti segura, como se nada nem ninguém me pudesse tocar, como se fosses uma
muralha

- As casas todas que fizemos, que montámos, que sonhámos.

- Os filhos que quis ter contigo

- O teu olhar quando me viste a chegar naquele monte, só de
camisa branca, esvoaçante, transparente. Olhar de quem ainda se surpreende com
a beleza da pessoa com quem dorme todos os dias.


- Quando me pediste em casamento. O meu coração parou quando
me disseste “quero fazer-te uma pergunta”

- A tua cara no altar daquela igreja abandonada, feliz,
sorridente, certo da tua decisão



publicado por batomvermelho às 13:11
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