Tenho, sim. Tenho estrias. Passei a minha vida inteira a
emagrecer e a engordar. E tenho celulite. Faço massagens, mas ela volta sempre.
Tenho gordura a mais em certos sítios, e a menos noutros. Sou baixa. Tenho
defeitos. E serão defeitos? Não. Não são. Sou eu. Eu sou assim. Tenho estrias,
sou baixa e tenho celulite. E sou assim. E tenho orgulho em mim. Em quem sou.
Depois de tudo. Não tenho vergonha de mim. Nem das minhas estrias, nem dos
defeitos, nem do que não devia ter, nem do que tenho. Eu sou assim. E sou
linda. E, quem diz o contrário, não me conhece.
Anda de cabeça erguida, mulher. Porque tu sofres com falta de amor, com o peso de ser mãe, mãe
dos teus pais que não sabem ser pais, mãe do teu marido que ainda precisa de
colo, mãe dos filhos que terás. Mãe de ti mesma, que tens de te levantar
sozinha, pensando na vida, pensando que os males da vida não são assim tão
maus, que o futuro será melhor. Levantas-te sozinha, sem mãe. Mãe de ti, mãe de
todos. És linda, anda de cabeça erguida porque mereces um tapete vermelho. E
quem não vê isso, tem um véu à frente dos olhos. Não te compares aos outros,
não olhes para as fotos das revistas e penses que gostavas de ser assim. És
linda. Não queiras ser outra. És linda. Anda de cabeça erguida, mulher. Porque
ninguém é mais forte do que tu, ninguém tem de aguentar tantos embates da vida,
tantos estalos, tantas acusações. És linda e nunca, nunca deixes que ninguém te
diga o contrário. És linda.
Foi um verão. Em que dormiste ao meu lado. Todos os dias,
todas as noites. Os dias eram só um prolongamento da noite, enrolados nos
lençóis, enrolados na banheira, comendo chocolate derretido, sentados na
bancada da cozinha. Achei que fosses ficar uma vida inteira. Mas foste como
vieste. No Outono, já aqui não estavas.
Deixaste-me lembranças, como fotografias antigas, a preto e
branco, que não imaginamos que já foram animadas, que já tiveram vida. Às vezes
nem sei se realmente exististe ou se foi tudo imaginação minha, se te criei à
imagem do meu sonho. Devias ter-me deixado um filho para eu ter a certeza, para
eu ver os teus olhos nele, o teu sorriso. Mas só me deixaste um sabor amargo na
boca, sabor a morte. Morte do sonho.
Gostava que o tempo voltasse atrás, gostava de voltar a ter
sonhos, a pensar, a querer o futuro. Deixaste-me sabor a morte na boca. A morte
da esperança, do sonho. Já não sou aquela menina que acreditava no destino, que
acreditava que a vida lhe traria só coisas boas, que a vida seria boa, e que eu
seria tudo o que desejasse ser. Eu fui tudo, durante meses. E depois
devolveste-me, quebrada, já saciada e com pouca esperança no futuro. O que
esperar se já vivi o que queria viver?
Momentos que nunca esquecerei:
- Na primeira noite do primeiro beijo, quando uma clareira
se abriu, e eu te vi, a sorrir para mim. Grande, feliz, um mundo inteiro dentro
de ti
- Nas montanhas, com o mar à porta, quando aquela música
começou. Calámo-nos os dois e só olhámos um para o outro
- Os bilhetes que me deixavas, todos eles. Todos eles.
- Eu a andar a pé pela rua, rápido, rápido, o vento na minha
cara, o frio nos ossos. A sorrir sozinha, a pensar em ti
- Todas as paragens que eu fazia a caminho de casa, para me
pintar, para ti
- O primeiro abraço da semana, quando um enorme peso saía do
meu corpo e eu me sentia completa de novo
- Na cidade em manifestação, quando me abraçaste e eu me
senti segura, como se nada nem ninguém me pudesse tocar, como se fosses uma
muralha
- As casas todas que fizemos, que montámos, que sonhámos.
- Os filhos que quis ter contigo
- O teu olhar quando me viste a chegar naquele monte, só de
camisa branca, esvoaçante, transparente. Olhar de quem ainda se surpreende com
a beleza da pessoa com quem dorme todos os dias.
- Quando me pediste em casamento. O meu coração parou quando
me disseste “quero fazer-te uma pergunta”
- A tua cara no altar daquela igreja abandonada, feliz,
sorridente, certo da tua decisão
. Para ti
. És linda
. Esperei por ti a vida int...
. Coisinhas pequenas que es...