Espero-te na bomba de gasolina. Tu chegas
dez minutos depois, nem me dizes olá, só me abraças. As tuas mãos entram no meu
cabelo. Não puxam, só entram. Chegamos a casa a rir, por nadas, já nem sei.
Encostas-me à parede, ainda rindo de nadas, a tua boca colada à minha, sinto o
teu ar, ofegante das escadas. Beijas-me, sem língua, só lábios a sugar os meus.
Paramos de rir. Viras-me de costas para ti. Encostas-te. Sinto-te. Sorrio, de
olhos já fechados. Sinto-me a mulher mais especial do mundo, como se nada mais
existisse, como se o mundo ficasse lá fora, parado no tempo. Como se eu fosse a
rainha naquele apartamento, e tu o meu rei. Os dois lado a lado, não um em
baixo e outro em cima. Lado a lado. Como uma equipa. Sensação de paz. Enfim,
estou completa.
Beijas-me o pescoço, devagar, desta vez com língua. O meu rosto está colado à
parede, os meus dedos vão acariciando o estuque. Está frio. É bom. Estás
quente. Não me tomas, só voltas a rir, de nadas. Fazes-me rir. O cabelo tapa-me
metade dos olhos. Sinto-me sexy, roída de sensualidade. Quais traumas? Quais
medos? Tens o poder de fazer de mim rainha ou a boba da corte. Alta, magra e
linda. Ou gorda, baixa e feia. Ando em biquinhos de pés pela casa, ou quase me
afundo nas ripas de madeira. Não devia deixar-te ter esse poder sobre mim, mas
não posso nada, és mais forte do que eu. Não sei se são esses olhos rasgados
que me assustam, entram em mim, olham-me fixamente como se me sugassem a alma.
Ou o teu corpo grande onde me afundo despedindo-me da luz do dia. As tuas mãos
que escondem a minha cara. O teu cabelo, sempre desgrenhado, à menino popular
da escola, meio rebelde, mas terrivelmente sexy. Por que será que gostamos
sempre dos que nos fazem pior. Vais me fazer mal? Ou vais me fazer bem?
- Porque é que me olhaste assim quando me conheceste?
- Porque não sabia olhar de outra maneira
- Parecia que me conhecias
- E conhecia
- De onde?
- De sempre. Acho que me lembro de ti desde que me lembro de mim. Brincavas
comigo, na minha rua, quando era pequeno. Saltávamos ao elástico juntos.
- Nunca estive na tua rua
- Estiveste, sim. Não te lembras, mas estavas lá. Tal como estavas lá quando eu
caí a primeira vez, o coração partiu-se, a miúda não gostava de mim, chorei a
pensar que ela era a única no mundo. Enxugaste-me as lágrimas, e disseste-me
para esperar
- Nunca te vi
- Viste-me sim. Viste-me mais tarde, quando me casei. Foste a madrinha do meu casamento,
minha melhor amiga. Olhei para ti antes de dizer o sim. Assentiste com a
cabeça, como que a aprovar a minha decisão. Mais tarde, quando me divorciei, enxugaste-me
as lágrimas, e disseste-me para esperar
- Esperar o quê?
- Esperar por hoje
- E o que acontece hoje?
- Hoje vês-me. Mas sempre aqui estiveste.
- Eu não te via então?
- Não com esses olhos
- Com outros olhos?
- Com os olhos do sonho. Conhecemo-nos desde pequeninos. Amei-te desde que eras
pequenina. Amaste-me e foste a minha melhor amiga. Esperas-te por mim, mandaste-me
esperar porque ainda não estava na hora
- Na hora de te conhecer? E hoje é hora de te conhecer?
- Hoje estás sozinha, eu estou sozinho. Pela primeira vez na nossa vida,
estamos sozinhos, os dois juntos.
- Estás louco! Não te conheço de lado nenhum
- Não?
- Não…
- Ok. A tua cor preferida é o vermelho porque, embora temas a cor por ser tão
forte, ela transmite o fogo do teu interior. Quando estás stressada andas na
rua, apressada, a ouvir música aos gritos. Só acalmas quando sentes o vento a
bater-te na cara. Gostas de te embalar quando estás insegura. Adoravas ter
plantas, mas elas acabam por morrer todas. Tens muito medo que não gostem de
ti. A tua comida preferida é massa com seja o que for, mas preferivelmente com
pesto. O teu animal preferido é o cavalo porque adoras a força e ao mesmo tempo
a fragilidade deles. Lembram-te a ti própria. Adoras clássicos, filmes,
músicas. És uma romântica e nunca encontraste um homem que acalmasse o calor
que simplesmente não consegues apagar. Adoras estar sozinha e, quando estás
muito tempo com alguém, acabas por te cansar. A altura em que te sentes mais
bonita é a ouvir música, sozinha. A tua auto-estima está assente em duas
coisas: o teu lado profissional e a tua beleza. Tens medo de envelhecer.
- Pára. O que é isso?
- És tu
- Tu não me conheces
- Conheço, sim. Esperei por ti a vida inteira
Hoje devia falar do dia dos namorados. Mas não me apetece.
Estou a ouvir uma música linda e apetece-me escrever sobre o que me apetece.
Só duas linhas para o dia dos namorados, que toda a gente
adora e gasta imenso dinheiro neste dia: o dia dos namorados é todos os dias.
Se o seu companheiro ou você só faz surpresas ou é querido e carinhoso no dia
14 de Fevereiro, então mais vale deitar a relação pela janela. Usar uma
lingerie preta de renda e seda, oferecer flores, ou jantar à luz das velas não
deve ser uma excepção à regra do dia a dia. Faça surpresas quando quiser e lhe
apetecer. Faça mesmo quando não lhe apetecer, que o agradecimento dele vai logo
animá-la J
Por fim, se alguém quiser ter uma noite romântica hoje, mais
vale ficar em casa. Os restaurantes estão cheios de casais à procura de
privacidade.
Pronto, está dito.
Próximo assunto. Hoje, sinto-me sexy. Sinto-me bonita e nem
estou. Hoje é um dia dos infernos no trabalho e estou de calças de ganga, um
top preto velho e o cabelo apanhado. Mas hoje sinto-me invencível. Apetece-me
dançar na rua, à chuva, beber margaritas de morango e usar saltos altos.
Apetece-me parar o trânsito e sentir-me uma rainha, linda e maravilhosa. Deve
ser da música que estou a ouvir. A música tem este efeito em mim. Consegue
levantar-me aos céus, ou deitar-me abaixo como uma flor murcha. Não posso ouvir
a Adele senão começo a chorar. Mas o Matias Damásio mete-me nas nuvens. Hoje é
Glee. Estou a ouvir Teenage Dream, Glee.
. Para ti
. És linda
. Esperei por ti a vida int...
. Coisinhas pequenas que es...